Diálogo com Atanasio Mykonius II

Meu querido Rosenil
5 de março de 2012 10:56

Perdoe-me pela demora em responder-lhe prontamente, estou às vistas com o início das aulas, uma vez que sou coordenador do curso de bacharelado em humanidades. Um dia conto com mais detalhes o que faço aqui em Dimantina. 

Hoje mesmo, dia 5 de março, será criado o CEFIL – CENTRO DE ESTUDOS DE FILOSOFIA, pois meu mandato como coordenador inspira em 30 de março, assim poderei me dedicar ao que realmente sei fazer – filosofia.

Humanidades e gerações
Humanidades e gerações


Bem, mas vamos ao que interessa.

A teoria marxiana, como nós a designamos, tem uma dupla face ou, como podemos distinguir historicamente o fato de que houve duas correntes de interpretação acerca do pensamento de Marx durante parte do século XX.

Ocorre que o centro dessa disputa está exatamente no primeiro capítulo de O Capital. De início, Marx, na primeira edição inglesa, o havia colocado como um apêndice, porque não estava ainda certo de que esse capítulo possuía as condições científicas para ser publicado. Alguns amigos e em especial Engels o convenceram e assim, a partir da segunda edição, esse capítulo figura como o primeiro.

No entanto, após a morte de Marx, o encontro da II Internacional Socialista fez por onde varrer para debaixo do tapete aquilo que o capítulo primeiro propunha como leitura substancial acerca do capitalismo.

E o que diz esse capítulo? Nele podemos encontrar um duplo Marx, que tem o entendimento do mecanismo da forma-mercadoria, em que todos estão nele emaranhados e que somos todos frutos de um processo cego, um processo fetichizador das condições concretas da vida humana. Ali, Marx consegue mostrar que o capitalismo não tem um dono, não é uma espécie de sistema capaz de ser controlado cientificamente por um Estado a-histórico, suprahistórico, um Estado que garanta as condições de distribuição do que é produzido no capitalismo.

E por que isso tudo foi varrido para debaixo do tapete? Exatamente porque surgia uma corrente burocrática no interior do movimento que culminaria, de forma expressiva, no leninismo. Lênin reinterpreta essas questões e lança mão de uma estrutura político-partidária, considerando outros aspectos do pensamento de Marx.

Marx, na sua luta pública, com os trabalhadores, mantinha outra perspectiva. Ele acreditava que era possível uma luta política para tomar o Estado, o Manifesto do Partido Comunista , então, passou a ser a cartilha fundamental da tropa de elite comunista. Tomar o Estado e garantir a distribuição.

Outro elemento importante é o fato de que a teoria marxiana do fetiche quase que impossibilita a uma ação dialética frontal, ou seja, para aquela turma toda da virada do século XIX para o XX, era imprescindível que houvesse um inimigo identificado, marcado, carimbado, pois assim fica mais fácil chegar ao poder, com a hipótese de que alijando ou anulando os proprietários dos meios de produção, tudo estaria resolvido.

Mas o fulcro desta questão não está no resultado final do processo produtivo do capital, que é a mercadoria, está no começo, o modo como o trabalho abstrato continuava a ser realizado, mesmo nos países do socialismo científico. A mercadoria continuava a reinar, mas sob o guarda-chuva de um Estado que supunha poder controlar cientificamente o processo e distribuir o seu produto de forma igual.

Dessa forma, o problema não está na pretensa distribuição igualitária das mercadorias. Isso não é justiça social, nem é vontade divina que ocorra. Claro que é preciso distribuir com equidade. A questão está no princípio do processo.
Sendo assim, a produção de mercadorias continuava, apenas com o controle quantitativo de sua distribuição e que, ao longo dos anos, criou distorções abomináveis.

Damos a isso dois termos importantes.

Para o Marx que foi enterrado e ressuscitado pelo leninismo, damos o nome de marxismo exotérico, que atendia, aparentemente, o anseio das massas trabalhadoras e de seus líderes. E damos ao Marx que se voltou para a anatomia do capital, o nome de marxismo esotérico, isto é, voltado para as estruturas internas do mecanismo social do capital.

Os primeiros a identificarem isto foi o pessoal da Escola de Frankfurt, mas só a partir da década de 1990 e é, em função da crise estrutural do capitalismo mundial, é que um grupo de pensadores, Grupo Krisis e depois o Grupo Exit (ambos estão linkados no meu blog, no site de ambos você encontrará textos referentes a essa discussão que é fresquíssima).

Mas o Marx voltado para dentro do sistema capitalista oferece dificuldades, uma vez que não havendo um dono para o capitalismo (e isto é fácil de ser constatado), a dificuldade é no sentido de combatê-lo objetivamente. Não é à toa que todas as tentativas redundaram na sua reprodução. O fenômeno da reprodução do capital é o mais impressionante na história humana.

Todos os partidos de esquerda que se aventuraram em combater o capitalismo redundaram e fracasso, tentaram uma distribuição de riqueza, notadamente acreditando que o Estado poderia propiciar uma espécie de contrabalanço nas relações desumanas que o capitalismo proporciona.

Porém, contraditoriamente, para favorecer os pobres, seria necessário que o capitalismo viesse a se fortalecer ainda mais. Por isso, ironicamente, os melhores gerentes do capitalismo são os partidos de esquerda e os de centro esquerda, leia-se na América Latina, social democracia (revestida de neo liberalismo) e os partidos mais à esquerda que, lentamente, sucumbem ao princípios que deram em sua fundação.

Isto é o maior paradoxo da vida contemporânea. O capital se tornou a cultura dominante, que permite, de modo cínico, que as culturas possam até sobreviver e se manifestarem conforme seus preceitos, suas tradições e suas formas de existir. Contudo, todos obedecem ao sujeito histórico que não tem face, o capital.

Istvam Mezaros tem um artigo em que fala que o capitalismo é um processo caótico.

Eu digo mais uma coisa. O que o capitalismo precisa é de gerentes e administradores. Socialmente são eles que determinam o rumo, mas é um rumo cuja lógica ainda obedece aos fundamentos apresentados por Marx no primeiro capítulo de O Capital.

Não importa quem você é, mas importa que você e eu estamos presos a uma estrutura social cuja determinação é uma só, produzir mercadorias com o trabalho abstrato e assalariado. Sejamos nós de esquerda ou de direita, o sistema está posto, apenas o colapso de sua própria condição poderá nos levar a superar essa cultura esmagadora.

Bem, isso é um pouco do que penso e faço atualmente.

Minha leitura é compartilhada por um grupo muito pequeno ainda. Isto não significa que as relações de poder no interior do sistema não devam ser combatidas e acho, ainda mais, que é preciso um esforço descomunal para fazer as massas entenderem isto.

Vamos nos falando meu caro, me desculpe pela demora. Forte abraço do Grego.
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Rosenil Orfão 5 de março de 2012 11:16

Para: Atanásio Mykonios

Olá Greco... obrigado pelo texto, achei muito importante, vou olhar as referências e a partir de sua análise aprender mais sobre Marx.

Sobre o tema da "necessidade", que é algo que você está aprofundando, assisti um vídeo, postado por um grupo de ativistas estadunidenses que me parece interessante para nosso debate. Acredito que você já tenha avaliado algo até mais profundo. Contudo gostaria de uma opinião sua sobre a relação que existe entre o vídeo e nosso debate. 

O endereço é: http://ppplebeu.blogspot.com/2012/03/momentos-de-formacao-politica-vi.html, e faz parte de um curso de formação política que estou organizando.

Outra coisa: posso colocar este e-mail em meu blog, acho que seria muito bom para ajudar em nosso curso militante de formação política?
Grande Abraço. Rosenil.
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DEBATE ANTERIOR: AQUI

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